Por que gritamos Golpe?

Carta aberta das e dos estudantes de Relações Internacionais à comunidade USP e Sociedade Civil


(Texto publicado originalmente em 13 de dezembro de 2017 durante a Greve dos Estudantes)

As e os estudantes de Relações Internacionais da USP vem, por meio desta carta, fazer um chamado de apoio à comunidade universitária e ao conjunto da sociedade civil a respeito da situação gravíssima em que nosso Instituto se encontra, e da luta que estamos travando. Este é um ano eleitoral na Universidade que, além do reitor, deveria definir quem estará à frente da diretoria do IRI pelos próximos 4 anos. De acordo com a norma eleitoral da USP, a inscrição de chapas à diretoria das unidades deve se dar em até duas etapas. Numa primeira, somente chapas compostas por professores titulares e associados 3 podem se inscrever. Caso não haja ao menos duas chapas inscritas, abre-se uma segunda fase, na qual são aceitas inscrições de chapas de professores associados 1 e 2.

No IRI, temos somente dois professores titulares elegíveis para a diretoria: o professor Amâncio de Oliveira e a professora Janina Onuki. A extensíssima cooperação acadêmica, institucional e política entre os professores Amâncio e Janina é plenamente conhecida pela comunidade do Instituto há anos, de forma que era amplamente esperada a inscrição de ambos os docentes numa mesma chapa. Assim, dava-se como certa a abertura da segunda fase de inscrições. Nesse espírito, os professores associados 1 e 2 do IRI manifestaram publicamente o interesse em lançar uma chapa para concorrer à diretoria, denominada “Por um IRI Multidisciplinar”, a ser construída conjuntamente com os outros setores do Instituto. No entanto, causou espanto e indignação à grande parte da comunidade quando Amâncio e Janina não somente se lançaram em chapas opostas, de modo a inviabilizar a candidatura da chapa dos professores associados, mas trouxeram professores de outras unidades para garantir a composição das mesmas - respectivamente os professores Rafael Villa (Dpto. Ciência Política) e Moacyr Martucci (Escola Politécnica).

Tal movimentação - num contexto onde a professora Janina deliberadamente ocultou por meses de toda a comunidade do IRI o seu interesse em disputar a coordenação de área da CAPES (cargo que não pode ser exercido juntamente com a diretoria da unidade) e sequer fez campanha - torna para nós evidente que a inscrição das duas chapas constituiu um GOLPE INSTITUCIONAL, perpetrado com o intuito de impedir a real disputa entre diferentes projetos políticos para a direção do Instituto. Em nossa leitura, este golpe foi a única maneira encontrada por seus perpetradores de garantir a vitória de um projeto minoritário, impopular e, no limite, pessoal para o Instituto.

O atual regimento eleitoral da USP reflete a estrutura de poder profundamente antidemocrática da Universidade, resquício do período da ditadura militar. Esta estrutura garante que estudantes, funcionários, e mesmo docentes em níveis menos avançados de carreira permaneçam alijados de espaços decisórios da Universidade, mantendo estes espaços concentrados nas mãos de uma casta seleta de docentes que, por sua vez, contribuem para que a USP se mantenha sendo uma das universidades mais elitistas, excludentes e reacionárias do país. Não surpreende, assim, a pública relação de cooperação existente entre os candidatos à diretoria do IRI e Vahan Agopyan, novo reitor da USP, indicado pelo próprio Alckmin. Tanto Vahan quanto os candidatos à diretoria do IRI compartilham do mesmo projeto político para a USP: um projeto de desmonte que se opõe ao caráter público e crítico da Universidade, em prol de uma progressiva abertura da mesma ao interesse privado. Isso ficou evidente, por exemplo, no debate realizado pela Comissão Eleitoral do IRI, em que ambas as chapas defenderam propostas alinhadas às de Vahan, e onde a professora Janina declarou seu apoio expresso à candidatura do mesmo.

Em meio a este cenário, nós alunas/alunos da graduação demandamos, ao longo de mais de um mês, a desinscrição temporária de uma ou ambas as chapas inscritas, de tal modo que ocorressem eleições minimamente democráticas em nosso instituto - com a presença dos distintos projetos de IRI na disputa. No entanto, os quatro candidatos formalmente inscritos não só ignoraram sumariamente nossos apelos, como também demonstraram um profundo desrespeito pela comunidade do IRI: tergiversando em relação aos questionamentos feitos, bloqueando propostas em prol de debates democráticos e isonômicos, cancelando compromissos firmados com os estudantes ou, simplesmente, tentando fugir do IRI até a data das eleições. Questionados por nós, o professor Amâncio chegou a afirmar que só se desinscreveria, mesmo que temporariamente, caso as “condições políticas retornassem ao que eram antes do início deste processo” - deixando claro que o motivo da inscrição das duas chapas foi evitar uma derrota nas eleições. Isso só deixa mais explícito que se trata de um golpe.

Diante da flagrante manipulação das eleições no IRI, e esgotadas todas as nossas tentativas de diálogo com os professores titulares, nós estudantes de graduação deliberamos, em 07/11, por entrar em GREVE até que ao menos uma das chapas formalmente inscritas se desinscrevesse temporariamente, garantindo assim que as nossas eleições se dessem de forma ética, legítima e democrática. Depois de dezessete dias em greve e muita mobilização, alcançamos a nossa primeira grande vitória: com a decisão da comissão eleitoral, referendada pela Congregação do Instituto no dia 24/11, as chapas encabeçadas pelos professores Amâncio e Janina foram impugnadas. Teve início, então, um novo processo eleitoral, no qual as três chapas que já haviam manifestado interesse em concorrer às eleições, puderam se inscrever. Obstinados com a vitória do movimento, entretanto, no dia 28/11 os professores Amâncio e Rafael impetraram um mandado de segurança, com pedido de liminar, contra o Diretor do IRI, solicitando que as eleições ocorressem apenas com as chapas de titulares. No dia 4/12, o pedido liminar foi indeferido pela Justiça e, dois dias depois, a chapa da professora Janina e do professor Moacyr renunciou à disputa pela Diretoria.

No dia seguinte à renúncia, faltando menos de quatro dias para as eleições, a comunidade do IRI foi novamente surpreendida por um novo golpe - fruto de relações escusas e espúrias entre o governo do estado, o judiciário paulista e a reitoria da USP. Em menos de 24 horas, um desembargador do estado de São Paulo concedeu o pedido de recurso impetrado pelos professores Amâncio e Rafael, suspendendo o novo processo eleitoral em curso e exigindo que as eleições ocorressem apenas com as chapas de titulares. Assim, mesmo com a acachapante vitória da chapa Por um IRI Multidisciplinar na consulta pública não-vinculante, as eleições oficiais ocorreram apenas com a chapa dos professores Amâncio e Rafael e a chapa, outrora desistente, da professora Janina e do professor Moacyr. Não é necessário ser um jurista ou advogado para perceber o quão absurda é esta decisão judicial. Estamos falando aqui de um procedimento jurídico que apenas diminuiu o escopo de possibilidades de votação e que, ignorando todos as diversas manifestações da comunidade do IRI e da Universidade, fez uso arbitrário do direito para engessar o processo eleitoral e favorecer os golpistas. Curiosamente o desembargador em questão é o mesmo sobre quem pesam acusações de ter deliberadamente trancado processos em sua gaveta quando foi indicado a secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça, de modo a evitar que tais processos fossem apreciados.

Para nós é impossível olhar para a situação atual do IRI sem reconhecer sua relação com o momento que o país enfrenta. A atual situação de crise econômica, política e institucional pela qual passa o Brasil abre espaço para discursos que são abertamente antidemocráticos. Essa ascensão conservadora e até fascista em certa medida, que assiste nosso país e outros cantos do mundo, reflete uma crise da globalização e do arranjo neoliberal no qual estamos inseridos. O Golpe de Temer inaugurou um novo período histórico no Brasil: marcado pelo esgotamento da política de conciliação de classes, pela intensificação da retirada de direitos e pelo avanço de um projeto ultraliberal - contrário aos interesses da maioria da população brasileira. A tentativa de golpe no IRI ocorre num contexto geral de crise econômica e política - em tempos de Temer, Bolsonaro, Alckimin, Dória e Vahan -, onde golpes se tornam cada vez mais a regra e a luta conjunta, infelizmente, a exceção.

Democracia é, com certeza, uma das palavras que mais ouvimos e repetimos em nossas aulas, instâncias e espaços no Instituto de Relações Internacionais da USP. Para nós estudantes esta palavra não é meramente um conceito que aprendemos como ferramenta didática ou acadêmica, mas sim, uma prática concreta e constante que deve sempre ser aprimorada, aprofundada e radicalizada. Ideal histórico, político e social, acreditamos que a democracia deve caminhar conjuntamente com as noções de Igualdade, Justiça, Ética. É no mínimo lamentável e ultrajante quando situações que tripudiam sobre os pilares da democracia acontecem bem próximos a nós, e é ainda mais entristecedor quando partem de nossos próprios professores, aqueles mesmos que, em tese, deveriam ser responsáveis por nos transmitir os ideais pelos quais embarcamos na luta democrática.

Apesar deste novo golpe, resistimos! A Procuradoria Geral da USP recorreu da decisão do desembargador e o processo continua correndo em primeira instância. Independente do resultado do processo legal, nós continuaremos nossa luta no terreno da política, construindo muita mobilização ao longo do próximo período. Nós não reconhecemos como legítimas as eleições que ocorreram na última segunda-feira, bem como seu resultado.

O IRI encontra-se sequestrado por um setor burocrata e parasita da universidade pública: os professores Amâncio e Rafael Villa, Janina e Moacyr são hoje verdadeiras personas non gratas no Instituto, que não gozam de qualquer legitimidade e respeito da comunidade do IRI para dirigi-la. As atitudes destes professores ferem a autonomia universitária e quaisquer princípios éticos. Enquanto o instituto não for devolvido à sua comunidade e a democracia e a ética forem restauradas, o IRI será ingovernável.

Mais do que defender democracia em abstrato, nos colocamos em luta por uma concepção de IRI e de Universidade verdadeiramente transformadora, crítica e emancipatória - construída de baixo para cima, com a participação de todas e todos. É nesse espírito que, humildemente, pedimos apoio da comunidade universitária e do conjunto da sociedade civil à nossa luta. É somente a partir da unidade dos de baixo e da construção de frentes amplas que seremos capazes de enfrentar e resistir ao momento de ataques que enfrentamos nos mais diferentes níveis.

Só a luta muda a vida.

NÃO VAI TER GOLPE!


“O correr da vida embrulha tudo.A vida é assim: esquenta e esfria,aperta e daí afrouxa,sossega e depois desinquieta.O que ela quer da gente é coragem”

- Guimarães Rosa


Subscrevem esta nota:

DCE Livre da USPCAHIS Luiz Eduardo Merlino - História USPCA Professor Paulo Freira - Pedagogia e Licenciaturas USPCEUPES Isís Dias de Oliveira - Ciências Sociais USPCA XI de Agosto - Direito USP (SP)CAELL Oswald de Andrade - Letras USPCA Lupe Cotrim - ECA USPGFAU - Grêmio Estudantil da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo USPAssociação de Pós Graduandos da ESALQ USPAMERI - Articulação Nacional do Movimento Estudantil de Relações InternacionaisFENERI - Federação Nacional dos Estudantes de Relações InternacionaisCA Suely Souza de Almeida - Relações Internacionais UFRJCARI Celso Amorim - Relações Internacionais UFGDCARI Relações Internacionais UNESP FrancaCARI Relações Internacionais UFSCCARI Relações Internacionais UNIFESPCA Franco Seminério - Psicologia UFRJ